O AMOR PRÓPRIO
VEM PRIMEIRO
Os efeitos do trabalho noturno nos relacionamentos amorosos
Amar é um sentimento forte, intenso e difícil de explicar. Os relacionamentos amorosos nascem de uma paixão, uma química, um bem querer, de um desejo de estar sempre junto de alguém.
Para um relacionamento, é preciso ter compreensão, parceria, dedicação, respeito, entre outros fatores. E se isso já é difícil de se conseguir nos dias atuais para quem tem uma vida “normal” em termos de horários, imagine para as mulheres que trabalham no período noturno. Há uma série de elementos dentro deste contexto que podem desencadear discussões, brigas ou até mesmo o divórcio.
Regina Helena da Conceição, 47, trabalha em uma casa de repouso. A auxiliar de enfermagem passou por um final de relacionamento turbulento, pois o companheiro não aceitava que ela trabalhasse no período noturno.
Mãe de dois filhos, Regina se viu sozinha para administrar a família. O trabalho noturno a obrigava a deixar as crianças sozinhas durante a noite. E aí veio o problema. Houve uma denúncia anônima de abandono de incapaz e uma assistente social foi até a casa. Felizmente, aos poucos, tudo foi resolvido, mas a situação poderia ter sido diferente se o ex-marido a tivesse apoiado.
Essa estrofe da música “Ela é Bailarina”, de Chico Buarque, retrata perfeitamente a situação vivida por Mayara Gabriela da Silva, 20, que se relaciona há cerca de dois anos com Marcos. Ele dá aulas de educação física em horário comercial. Ela trabalha como enfermeira privativa, das 19h às 07h, em dias alternados. Como se não bastasse, ao chegar em casa ainda trabalha como manicure. O trabalho de “cuidar das pessoas” - como ela mesmo diz- está em seu sangue, seja na área da medicina ou da estética.
Por viverem em dois mundos distintos durante a maior parte dos dias, Mayara ainda preza bastante os poucos momentos de folga, em que pode estar com a família e o companheiro. “É mais aproveitar com a família o tempo que você tem em casa. E aproveitar o tempo, que ele voa“, diz.
E não é só a falta de tempo livre para as mulheres que trabalham à noite que acaba interferindo nos relacionamentos. Exatamente por atuar nesse período, as fazem jus a um benefício diferenciado: o adicional noturno. E, por incrível que pareça, a valorização financeira também pode abalar as estruturas do relacionamento. “O meu noivo não gosta que eu trabalhe tanto, porque se a gente trabalha muito a gente financeiramente ganha mais, embora isso não me importe. Mas, tem muito aquilo - ah, vai trabalhar menos que eu e ganhar mais. Eu tenho que trabalhar 30 dias do mês e ela ganha mais do que eu ganho em 15 (dias) -. Então, homem tem aquilo com ele, eu (homem) posso, você (mulher) não”, declara Mayara.
Apesar da turbulência, a enfermeira diz que a única coisa que ele não gosta é da parte noturna. “Ele preferiria que fosse de dia, porque ele fala que interfere o fato de eu estar dormindo longe, que eu não to nem em casa e nem com ele, que eu estou por aí”, finaliza. Mayara acredita que ao falar dessa maneira, o namorado tem dois lados: o ciúmes e a preocupação.
Já Ana Paula Pereira Lopes, 38, atua como preparadora de carroceria na Volkswagen se divorciou do marido que também trabalhava à noite. Mesmo os turnos sendo parecidos, os planos de aproveitarem as folgas nunca davam certo. Enquanto a mulher queria sair para se divertir e ir em todos os lugares que a jornada de trabalho a impedia, o ex marido por outro lado preferia ficar em casa. Dessa forma, o casamento veio ao fim, “eu sou muito caseira, mas ele batia o recorde. Eu sou muito família, então todas as festas eu queria ir, ele sempre dizia que estava cansado, portanto comecei a ir sozinha. Se é pra fazer as coisas só, eu fico só”, completa.
Sem perceber, essas mulheres acabaram priorizando o amor próprio delas, colocando as suas liberdades e as suas independências em primeiro lugar. Desta forma, mostraram o quanto o trabalho é importante para elas, e que apesar do horário ser diferente, ninguém as impede de fazer o que amam.

“O nosso amor é tão bom,
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina”
Mayara Gabriela da Silva
