UMA LUTA
DIÁRIA
O impacto do sono nas múltiplas jornadas das trabalhadoras noturnas
“Eu funciono melhor à noite”, diz Camila de Andrade Pissolito, revisora de 35 anos que prefere fazer as tarefas do trabalho durante a madrugada. A rotina de Camila é, de longe, muito diferente das milhares de brasileiras que trabalham em horário denominado “comercial”.
A mulher costuma começar a trabalhar por volta das 23h e justifica que a vida acontece de dia, portanto ela tem silêncio absoluto à noite. Mas, nem tudo são flores para quem trabalha à noite. A revisora sofre de um mal que a maioria das pessoas que trabalham no período noturno sofrem: o sono. Apesar de se considerar uma pessoa da noite, Camila entende que o sono da noite não é o mesmo do de dia: “a luz te deixa muito ligada, é como se seu corpo soubesse que é pra você ficar a acordada”. Camila também comenta que não sabe se conseguiria ser mãe, já que a função demanda uma atenção que ela não tem por trabalhar à noite.
“Não é recomendável que a pessoa trabalhe mais do que três dias seguidos à noite”, declara doutora em Saúde Pública Érica Lui Rinhardt. Ainda, Érica afirma que a mulher que não tem filhos chega mais perto da rotina de um homem, que acaba por não tem funções maternas.
O fato de não conseguir dormir bem durante o dia é afirmado pela pesquisadora de trabalho em turno e noturno Frida Marina Fischer, a qual explica a relação do sono com condições biológicas e sociais: “o ciclo vigília-sono entende que o ser humano deve dormir ou repousar à noite e estar ativo durante o dia”.
Vanessa Moreno Marques, 41, atua no setor de transferência de pacientes no hospital Albert Sabin, em São Caetano do Sul. Na percepção da mulher, trabalhar à noite causa sono incontrolável: “é diferente quando você está em uma balada, quando você está conversando, quando você está se distraindo, você não vai sentir sono porque está interagindo, mas a noite, às vezes não tem nada para fazer, e aí é onde vem o sono”.
Um ponto importante a ser citado é que as mulheres além de trabalharem no período noturno, ainda tem as obrigações de casa para fazer, tentar separar tempo para cuidarem de si mesmas e o último, mas não menos importante: são mães. Essa questão está ligada à vida de Vanessa, já que é ela quem trabalha para sustentar ela, o pai, a mãe e os seus seis filhos. Mesmo com o cansaço da noite, o instinto de mulher a faz ter múltiplas tarefas ao decorrer dos dias.
“Pode acontecer de a pessoa depois que aposenta, não conseguir mais voltar no padrão usual de outras pessoas”, explica Érica. Esse tipo de situação traz problemas sociais e psicológicos, segundo a pesquisadora.
Também mãe, a jornalista Lourdes da Silva Rodrigues, 62, trabalhou por muito tempo na rádio CBN como redatora no período noturno. Com experiência de mais de 40 anos na área, sabe que a comunicação não pode parar. Lourdes sente que há somente o aumento de peso por trabalhar neste horário e que nunca observou outros problemas. “Em termos de ansiedade, essas coisas, não sei se teve algum impacto, porque sinceramente, eu nunca pensei sobre isso”, conta.
“A desregulação do sono interfere nas alterações metabólicas, alterações nos processos de absorção, secreção celulares, produção de enzimas e outros fatores”, avalia Frida.
Enquanto as explicações de especialistas são negativas, a secretária Maria Nilza Rodrigues de 53 anos diz não sentir sono. Segundo ela, quando dá tempo ela dorme: “eu sou abençoada, eu amo trabalhar nesse horário (...) eu durmo cerca de duas ou três horas por dia”.
Outro efeito orgânico diz respeito a produção do hormônio melatonina, que é secretado à noite, na ausência de luz: “o pico da melatonina coincide com o aumento da sonolência, principalmente na madrugada. Quando a pessoa troca o sono da noite pelo de dia, o sono dela acaba sendo menor e ela vai ter dificuldade de se manter dormindo, pois os processos fisiológicos que não deveriam ocorrer enquanto está dormindo, acabam ocorrendo porque a pessoa está dormindo durante o dia”, confirma a pesquisadora.
Freelancer, Nayara Freitas de 29 anos trabalha como segurança em festas de formatura. A maioria acontece a noite, mas como não é um trabalho fixo, não há problemas decorrentes da repetição de rotina, porém, Nayara diz que o seu corpo sente a mudança de horário para dormir: "é complicado porque se você um horário certo para dormir e acordar e você extrapola aquele horário, no dia seguinte você já se sente mal. Me dá dor de cabeça, ânsia. Então tudo o que sai fora do seu padrão traz uma coisa ruim pro seu sistema imunológico, tanto que às vezes fico doente”.
Para tentar driblar o sono e o cansaço no ambiente de trabalho, várias mulheres optam por fazer o uso de cafeína ou aumentam o consumo de açúcar, que segundo Frida, pode ocasionar em futuras doenças, como o diabetes. “O trabalho noturno altera o metabolismo do açúcar e dos carboidratos. No chocolate tem a teobromina, que estimula o metabolismo a permanecer acordado, funciona como um energético”, declara.

Érica Lui Rinhardt
Camila Andrade Pissolito

